As penas previstas na Lei Maria da Penha, que completa 18 anos este mês, têm sido aplicadas nas grandes cidades, mas não tanto em municípios pequenos ou médios. Essa é a avaliação da farmacêutica bioquímica Maria da Penha Maia Fernandes, mais conhecida como Maria da Penha, cuja história de violência de gênero repercutiu internacionalmente até dar origem à lei que leva seu nome.
Maria da Penha foi homenageada nesta quarta-feira (21) pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), instituição onde cursou mestrado.
Conforme a farmacêutica, a lei estabelece penalidades e também prevê ações educativas, que julga estarem longe do ideal. Para Maria da Penha, além de corrigir comportamentos dos homens, para que não cometam mais agressões, é preciso que as mulheres se informem e aprendam a identificar o que caracteriza violência de gênero. É ao entender como se dá o ciclo de agressões que conseguem rompê-lo ainda no início, evitando o agravamento da violência.
"Graças a Deus, as mulheres do meu país tomaram para si a legislação e a fortaleceram. Porque a lei por escrito é uma coisa e a lei efetuada é outra", disse Maria da Penha.
"As mulheres, mesmo em cargos importantes, sofriam suas violências e não existia nada para protegê-las. E elas tinham que viver a farsa da felicidade. A Lei Maria da Penha despertou nessas mulheres que já tinham um posicionamento na sociedade [esforço] para que essa lei saísse do papel", emendou.
Durante o evento, Maria da Penha anunciou que estava entregando uma cópia do livro Sobrevivi... posso contar, de 1994, à Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Atuária da USP, na qual seu agressor, na época, seu marido, o colombiano Antonio Heredia Viveros, estudou. "Esse livro eu considero a carta de alforria das mulheres brasileiras", declarou, acrescentando que "é lá que precisam saber a verdadeira história de um aluno".
A obra, que recupera toda a sua história, serviu, juntamente com o processo judicial, para fazer crescer a visibilidade entre a comunidade internacional. Nela, narra como seu então companheiro tentou matá-la com arma de fogo e, depois, com descargas elétricas.
A cofundadora e vice-presidente do Instituto Maria da Penha, Regina Célia, lembrou que o processo de aprovação da lei expôs o atraso do Brasil em relação à proteção das mulheres. "Ela bateu às portas da Justiça no Brasil, mas o vizinho, foi o vizinho que acolheu a denúncia. Foi um povo de um outro lado e que disse o seguinte: vocês são muito tolerantes", afirmou, ressaltando que o nome de Maria da Penha "percorre o mundo" até hoje.
Segundo Maria da Penha, sua notoriedade tem trazido tanto reconhecimento e carinho como também gerado revolta e ameaças fomentadas, diversas vezes, por fake news. Ela contou que, a partir de 2021, começou a temer pela própria vida e tem sido surpreendida com episódios, como quando um homem a abordou em um estacionamento e disse que era o ex-agressor. "Nesse momento, fiquei em cárcere privado por escolha", adicionou, ressaltando ter conseguido uma medida protetiva com a ajuda da ministra das Mulheres, Cida Gonçalves.
A advogada Leila Linhares também recordou como o argumento de legítima defesa da honra, usado para inocentar homens que praticavam crimes contra mulheres, fermentou discussões entre o movimento feminista, sobretudo na década de 1970.
Um dos exemplos mais conhecidos foi o assassinato da socialite Ângela Diniz, pelo então namorado Doca Street. O caso foi a júri popular. "A gente percebe o longo caminho de décadas e décadas de luta contra a violência", disse. "E a violência contra as mulheres não era considerada uma violação de direitos humanos", completou a advogada.
Edição: Agência Brasil
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